Como numa viagem de trem, eu vivia. Dentro do vagão, meu eu e eus de outros viajam, meu eu e eus de outros fugiam. Estranho, mas o nosso trem tinha destino ao Sozinho, um município da Solidão, extremo sul da Angústia, e todos os vagões viajam lotados. Para cada eu que ali viaja, a viagem era difícil, passávamos por estações como Paixão Ardente, Amizade de Infância, Amantes da Noite, Amor Eterno, entre outras que serem foram desconfiadas por nós, depois de tantos desembarques, acreditávamos que o encanto termina após a temporada de férias e ou no próximo verão.
Dentro do vagão todos observavam o passar de cada estação, todas semelhantes: em primeiro plano o áspero, o agressivo com cor de medo, mas logo se via o vermelho suave, carinhoso e convidativo ao fundo, o odor infestante de felicidade que entrava pelas janelas do nosso vagão. Eram poucos os eus que eu via desembarcar em qualquer estação, talvez se explicasse pela longa viajem que já havíamos feito onde muitos desciam, e não era grande o tempo passado antes que esses voltassem. No entanto, outros nunca mais subiram em nosso trem e sempre ao passar na estação onde este havia descido, percebíamos o escuro do medo, cada vez menor, e o odor amarelo entrando com mais intensidade em nosso vagão e talvez isto explicasse a sempre presente tentação ao desembarque.
O medo da falsa eternidade, da ilusão cobria as paredes do vagão onde eu viajei. “O sempre não existe”, estava gravado como um slogan nos bancos do trem. Um dia ao observar a chuva, sempre caindo de cima pra baixo, como tudo que caí, a chuva sempre molhada, e o céu, sempre em cima da minha cabeça, aquele slogan ali na minha frente começou a perder sentido. Vendo alguns eus, conversando sobre suas desilusões, me perguntava qual o sentido daquele eu chegar à Sozinho, se ele não permaneceria sozinho? Outros eus, sozinhos ficavam, mas comecei a acreditar que um dia, perto de outro eu, ele estaria, e se não, de sozinho ficar, cansaria. A tal necessidade da companhia, essa também era como o céu, e a chuva...Sempre é necessário alguém. Sempre é.
E na próxima estação resolvi descer, eu sabia qual era, já havia feito muitas viagens, Amor Eterno, talvez não fosse a escolha mais sensata, ou a mais insensata de todas.. Amor Eterno era a estação mais convidativa, a mais bonita, a mais cheirosa, no entanto, cercada por medo, o escuro infestado por espinhos logo em sua entrada, no final rosas, e um amor. Lá eu desci, lá, eu sofri, lá eu vivo, lá eu amo, eternamente.
*Por, Rafaela Romano.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Trem dos 'Eus'
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André, faz tempo que não pouso por aqui, e leio mais uma voz em colaboração, que por sinal é de uma excelência refinada.
ResponderExcluirRafaela, será degustativo ter nas minhas leituras as vossas em captura.
Abraços à ambos pela qualidade.
Priscila Cáliga